segunda-feira, 9 de agosto de 2010

As portas




"If the doors of perception were cleansed, everything would appear to man as it is, infinite"

William Blake

O tempo vai costurando mesmo as nossas vidas. A frase, potencialmente clichê, é perfeita quando penso em trajetórias. Senão, vejamos: Quando eu conheci o grupo The Doors, mais ou menos no ano de 1.997, eu não imaginava que iria lembrar dele toda vez que leio ou ouço algo sobre o escritor William Blake. É certo que William Blake influenciou Jim Morrison e que acabou influenciando a própria criação do The Doors (o nome da banda é inspirado numa frase do escritor). Essa é uma história já bastante conhecida. Exatamente por ser uma história amplamente divulgada, eu , que andava boaquiaberto com a magia da banda americana, fui instigado a saber mais sobre o tal poeta inglês. Uma coisa me levou a outra de tal maneira que hoje me é impossível lembrar de um sem fazer referência ao outro. É assim que funciona (se bem que tem gente que faz questão de esquecer suas referências, ou suas lembranças).

Lembro que finalmente comprei um livro de Blake (O Matrimônio do Céu e do Inferno, Editora Iluminuras) na já extinta Revistaria Possan, lá pelos idos de 2001, com meu suado dinheiro de cobrador. Na época, eu ainda não era chapa do “maluco beleza” Gustavo Possan, o que provavelmente anulou qualquer possibilidade de desconto. Lembrei-me disso porque sempre andava durango, mas não me faltavam livros, revistas e discos novos em casa. Aliás, o pessoal lá de casa sempre me questionava e chegava a brigar comigo por gastar boa parte do meu salário com essas coisas. Eles não entendiam que eu me alimentava disso tudo, mesmo que isso invariavelmente comprometesse minhas finanças e me impedisse, de vez em quando, até mesmo de comprar um simples X-Salada. Mas isso é outro caso, voltemos ao bardo.

William Blake é dono de uma linguagem poderosa, fruto de uma mente brilhante.

Eu reconhecia aquele tom solene, adorava o tempero místico, o acento romântico. Eu ainda era religioso. Contudo, como em Blake, já havia em mim a centelha da rebeldia. Por isso, o título do livro que comprei já fascinava: O Matrimônio entre o Céu e o Inferno. O tom profético da obra é de rara beleza e Blake, apesar de religioso, constrói uma obra dicotômica, fortemente crítica aos dogmas da Igreja, ao puritanismo anglicano e à Inglaterra de seu tempo. Aqueles que tiveram a oportunidade de ler a obra, percebem que sua “mensagem” se dá através de paradoxos, de máximas que se valem de muitas metáforas e de referências arquetípicas religiosas que remetem também ao panteísmo. Um trecho da apresentação ao livro, escrito por José Antonio Arantes, é bem explicativo: “Suas idéias visam a subversão dos conceitos cristãos em nós arraigados, atraindo-nos para a convicção de que a dicotomia (Bem=Alma=Céu; Mal=Corpo=Inferno) é a causa da infelicidade humana. Apenas a integração dessas duas faces seria a fonte da felicidade plena. O recurso usado por ele foi privilegiar a imaginação e relegar a segundo plano a razão, limitadora do Gênio Poético. Faça o que faça a vida é ficção,/ e formada por contradições. A visão recupera a identidade humana, propõe Blake, pois com engenho e arte o homem casa os contrários”.

Está exatamente aí noção de que “sem contrários não há progresso”. A frase é interessante, principalmente do ponto de vista capitalista. Se bem que dependendo da contrariedade, nem tanto, né?

Enfim, William Blake foi uma leitura que durou pouco para mim. Embora seja um escritor formidável, eu acabei me distanciando de seu universo, assim como acabei me afastando dos Doors, que por tantas vezes supervalorizei.

Mas hoje, pensando na antiga oposição Luz X Trevas, que tanto povoa o imaginário cristão, eu me lembrei disso tudo. E de como uma coisa pode levar a outras tão diferentes. Recordei-me das aulas que tive sobre “figuras de linguagem”, das aulas de literatura, das leituras de semiologia, do Yin-Yang e de várias outras coisas. E o que restou disso tudo, afinal?

Sei lá. Só sei que luz eu encontro é nos olhos noturnos do gato na rua, nos postes que me guiam de volta pro lar, no céu estrelado do teto lá de casa, assim como muita gente se encontra na vela, na oração. Luz a gente pode encontrar nos verões, violões e nas fogueiras do passado. Sim, existe luz na memória, embora ela seja também povoada de obscuridade. Minha esposa sabe disso. E é nela (por que não?) que também encontro a fagulha sempre bem-vinda dessa nossa história, repleta de luzes, sombras e escuridão.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Idílica Estudantil

Nossa geração teve pouco tempo
começou pelo fim
mas foi bela a nossa procura
ah! moça, como foi bela a nossa procura
mesmo com tanta ilusão perdida
quebrada,
mesmo com tanto caco de sonho
onde até hoje
a gente se corta.

Alex Polari

No retrovisor


Em 2002 eu era apenas um garoto sem dinheiro no bolso e com alguma idéia na cabeça.
Eu havia tentado ir embora de Guaíra,como é comum por aqui, e ancorei lá no cais de Itajaí/SC acompanhado do meu amigo Raoni Martins. Lembro-me de como estranhei meu novo ninho e de como andava pela cidade atrás de algo que me fosse familiar. Familiar. Engraçado isso, logo eu que havia deixado para trás a minha família e achava que era solitário (e cosmopolita) demais para pensar ou me apegar a essas coisas. Enquanto gastava dinheiro com meu amigo de nome indígena nos bares da vida, ensaiava planos para um futuro não muito distante: arrumar emprego, prestar vestibular para jornalismo na Univali e preparar um livro.

Na época, estava embalado pelos versos certeiros de Waly Salomão na memorável música de Jards Macalé, intitulada Vapor Barato, “eu não preciso de muito dinheiro, graças a Deus (...) Ó, minha honey baby, baby”. O tempo passou, o dinheiro acabou e a saudade bateu: O jeito era voltar para Guaíra.

E voltei sem emprego, sem vestibular e sem um verso que prestasse para fazer um livro. Mas eu ainda tinha sonhos e foi essa a força motriz para a criação Sarau Personalidades, um grupo cultural que reuniu algumas das melhores cabeças da cidade. O Sarau foi uma espécie de catalisador do efervescente momento que vivíamos, e ter reunido aquele time ainda hoje me orgulha muito. Confesso que quando eu e o Diego Prado fundamos o grupo não tínhamos noção de como fazer um sarau (palavra que naquele momento ainda não estava na moda), do que queríamos ao certo com o grupo e principalmente não tínhamos idéia da repercussão que isso iria causar naquele (já) longínquo ano de 2002. O que sei é que começamos a nos reunir, a conversar e a conhecer melhor outras pessoas que, como nós, se interessavam por música e poesia. Fiz grandes amigos dentro do Sarau. Aprendi muita coisa. E foi lá dentro que resolvi estudar mais, conhecer melhor o universo da poesia contemporânea, de modo que prestei vestibular para o curso de letras na Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

Foi importante conviver numa universidade, embora eu jamais tenha encontrado lá dentro o que eu esperava (e idealizava). Ao invés de alunos apaixonados, encontrei muitos universitários que só queriam um diploma e um bom emprego - e eu, como já disse, estava meio que na contramão disso tudo. De qualquer forma, pude participar de bons debates, aprender bastante coisa, militar no movimento estudantil (cada vez mais capenga) e, principalmente, pude continuar sonhando (embora as decepções – e isso não é necessariamente ruim –fossem, uma a uma, abatendo certas ingenuidades).
Enquanto isso, a turma que se reunia no Sarau continuava incendiando o verbo nos finais de semana. Na época, eu me inspirava muito na história da Nuvem Cigana e prestava muita atenção no CEP 20 000, históricos símbolos da militância poética brasileira.

O que ainda hoje não entendo - e estranho - é quando me perguntam o que a gente ganhou com isso. É difícil explicar para pessoas que já denotam em suas perguntas o que pensam da vida (e do grupo) o que o “grupo” (digamos assim) representou. Quer saber, acho que na verdade o legal foi que não ganhamos nada. Era importante estar ali só por tesão. Assim, no duro. E isso está em extinção. Somos animais em extinção.

Difícil saber quando foi que a coisa desandou, mas isso já não me preocupa mais. O importante é que foi bom pra caralho - e agora, quando olho pelo retrovisor, o que vejo me agrada.

A vida segue com outros desafios, embora eu continue sem dinheiro no bolso e com uma ou outra idéia na cabeça de vez em quando. Mas nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia, não é mesmo?

Melhor assim.

Simples assim

Essa existência inconformista
Coexiste contigo, meu consolo
O ocaso acaso inibe a lua?

Teço meu verso
Soterrado por suas palavras
E ao me indagar respiro presságios
Inquieto e calado circulo pelas ruas
Debaixo de olhares dos prédios mesquinhos

Para ansiedade, não mais que 20 cigarros
(um whisky barato, um chopp claro ou um vinho tinto)

E foi tudo
Nada mais
Uma união de imperfeitos perfeita
Teu olhar me deixa nu, cru
Belo como um índio!


(12-10-02)